segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Conflito de gerações


Falando sobre conflitos de gerações, o médico inglês Ronald Gibson começou uma conferência citando quatro frases:


1) "Nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus."


2)"Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível."


3)"Nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais seus pais. O fim do mundo não pode estar muito longe."


4)"Essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura."


Após ter lido as quatro citações, ficou muito satisfeito com a aprovação que os espectadores davam às frases. Então, revelou a origem de cada uma delas:


1ª) de Sócrates (470-399 a.C .)


2ª) de Hesíodo (720 a.C.)


3ª) de um Sacerdote no ano 2000 a.C.


4ª) de uma escrita em um vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia (atual Bagdá), possuindo portanto mais de 4 milênios de existência.


CONCLUSÃO:

Aos que são pais:

RELAXEM, POIS SEMPRE FOI ASSIM!


Prazer vale mais do que sucesso

Se dar bem em todas as áreas, sentimental, profissional, financeira... tem sido, ao que parece, nosso maior ideal. Mas na contramão das sufocantes cobranças sociais por êxito, o filósofo francês Luc Ferry argumenta que o que dá sentido à existência é uma vida bem-vivida e não a tão almejada vida bem-sucedida

JULIANA MOTTER ILUSTRAÇÕES: ANDREA EBERT

Basta passar os olhos na seção de best sellers de qualquer livraria para se convencer de que a busca pelo sucesso se tornou prioridade absoluta na nossa vida. Repare que os títulos mais vendidos são quase sempre aqueles manuais de auto-ajuda que prometem fórmulas mágicas para se alcançar o êxito, seja ele profissional, financeiro, afetivo, sexual, etc. Quem, na fila do caixa, nunca escondeu atrás de uma revista um livrinho de como ficar milionário em uma semana? Ou folheou discretamente um título que ensina a ser o melhor chefe do mundo? Ou, ainda, adquiriu um manual de como desenvolver mais liderança, carisma, fazer amigos, conquistar pessoas? Ser bem-sucedido em todas as áreas da vida tem sido, ao que parece, nosso maior ideal. Mas até onde, afinal, essa busca frenética pelo sucesso tem dado sentido à nossa existência, mesmo quando ele é alcançado?

Especulações interessantes podem ser encontradas no livro O que é uma vida bem-sucedida? (Difel), do filósofo e educador francês Luc Ferry. Embora o título sugira mais uma obra de auto-ajuda entre tantas existentes, o livro surpreende por manter as suas idéias na seção de filosofia – leia-se no campo da reflexão – a uma distância segura do pragmatismo e da simplificação que parece ter tomado conta da sociedade em que vivemos. A obra não só está fora do coro do “você deve vencer” como mostra que o sucesso, enquanto simples performance social, está longe de dar sentido à vida ou, numa definição menos filosófica, trazer a felicidade que invariavelmente atribuímos a ele.

Muitas vezes fazemos uma grande confusão entre o que a sociedade julga conveniente e aquilo que de fato nos faz felizes. Isso explica porque atingir um determinado objetivo não é necessariamente uma garantia de realização

Além de um número expressivo de exemplares vendidos, o livro tem rendido muitas reflexões, tanto que deu origem a um curso homônimo, ministrado regularmente na Casa do Saber, em São Paulo. A proposta desses encontros filosóficos, segundo o professor de Ética da Escola de Comunicações e Artes da USP, Clóvis de Barros Filho – que foi aluno de Luc Ferry e conduz as seis aulas do programa – é refletir sobre o sentido da vida e as transformações do conceito de felicidade ao longo da história.

Performance x desejo

Pare e pense. A satisfação de conseguir aquela promoção – que custou tantas noites insones e lhe privou de encontros familiares, reuniões no colégio dos filhos e valiosos momentos de ócio – se manteve por mais de dois ou três meses? E aquele dinheiro que você sempre sonhou em ganhar e agora está lá, rendendo no banco, trouxe a paz que você jurou que ia ter quando superasse os tempos difíceis? E a plástica, as sessões militares de malhação ou o silicone que você colocou nos seios fizeram com que você se sentisse mais realizada na própria pele? É provável que a resposta franca para todas essas perguntas seja “não”. O fato é que, segundo Luc Ferry, costumamos fazer uma grande confusão entre o que a sociedade julga conveniente e aquilo que pessoalmente nos faz feliz. De certa forma, isso explica porque atingir um determinado objetivo e ser reconhecido socialmente por tal conquista não é necessariamente uma garantia de realização individual. “O mundo contemporâneo incita-nos por toda parte ao devaneio. Seu cortejo impressionante de estrelas e lantejoulas, sua cultura de servidão diante dos poderosos e seu amor desmedido pelo dinheiro tendem a nos apresentá-lo, literalmente, como um modelo de vida”, analisa o autor no livro e completa: “Tudo concorre hoje para fazer do sucesso um ideal absoluto. Esportes, artes, ciências, política, empresas, amores, tudo passa pelo sucesso, sem distinção de categoria nem de hierarquia de valor”.

Atualmente, o centro da vida não está mais no divino, mas no humano. Se isso nos faz senhores do nosso próprio destino, por outro lado abre espaço para muitas distorções, como essa de colocar o sucesso acima do bem-estar individual

Difícil ficar indiferente a essa supervalorização da performance, pois para todo o lugar que olhamos – seja o noticiário, a tevê, a reunião na empresa – nos deparamos com um modelo de sucesso a ser seguido. Mas peraí, será que lá no fundo você deseja igualar o empreendedorismo do Bill Gates? O dinheiro do Donald Trump? O corpo perfeito da Gisele Bündchen? Talvez não. Porém, sem perceber está lá, lutando de sol a sol para conquistar uma vida de glória que não corresponde nem de longe às suas expectativas íntimas.

Vida bem-sucedida?

Para que serve a nossa vida, afinal? A que ela se destina? A pergunta, já adianto, continua sem resposta – empregando filósofos e terapeutas mundo afora – mas não custa voltar no tempo para tentar entender melhor como chegamos até aqui.

Durante séculos, nossa existência foi vista no contexto de um princípio transcendente, ou seja, buscavase uma vida terrena digna que permitisse ascender a algo além da matéria. Na Antiguidade, questionar a respeito da chamada “vida boa” significava empenhar-se na busca desse princípio transcendente. “Idéias tais como aquela de uma ordem cósmica harmoniosa, no seio da qual cada ser particular deveria encontrar seu lugar correto, ou de um Deus benevolente, cujo amor orientaria a vida dos homens, fundavam conviçcões que não apenas uniam os seres entre si, mas também os incorporavam a valores e finalidades imponentes, para eles bem superiores à pura performance”, analisa Luc Ferry.

Com o enfraquecimento da idéia cristã de salvação e a desconstrução de outros mitos ao longo da história, houve uma transformação no sentido da vida, que passou a ter uma finalidade puramente prática. “Se não há mais transcendência, por que, com efeito, não cultivar a performance pela performance, o sucesso pelo sucesso, a vida bem-sucedida em vez da boa?” Na falta de uma justificativa maior para nossas vidas – como havia num passado não muito distante, em que a predestinação divina parecia ser o maior consolo da humanidade – tendemos, ao que tudo indica, a sacralizar o êxito e suas recompensas morais e materiais como uma forma concreta de salvação. Isso talvez explique porque temos tanto medo do fracasso. Seguindo essa lógica, ele seria uma espécie de anticristo, ou seja, a maior confirmação de que estamos contrariando os desígnios de uma existência que tem no sucesso sua finalidade absoluta.

Precisamos ficar bem conscientes de que essa campanha maciça a favor da performance excepcional está a serviço não da realização pessoal, mas sim da sociedade capitalista, que tem na disputa e na competição seu principal combustível

Podemos especular, portanto, que a centralidade da vida não está mais no divino, mas sim no humano. Se, por um lado, esse deslocamento nos dá uma maior liberdade e nos faz senhores do nosso próprio destino, por outro, abre espaço para uma série de distorções, como essa de colocar o sucesso acima do bem-estar individual. Luc Ferry faz a seguinte análise em seu livro: “Viver, sobreviver e ter êxito tornam- se, quando muito, sinônimos – de fato, por essa razão, a “vida boa” –, seja qual for o sentido que possamos ter-lhe atribuído no passado, deve ceder lugar à “vida bemsucedida”… ou fracassada. Por essa razão, além do fracasso absoluto, que de maneira escandalosa equivale simplesmente a uma incapacidade de adaptação ao movimento generalizado, a principal ameaça que passa a pesar na existência, sem contar aquela da finitude, reside na insignificância, na banalidade e no tédio – que tem no crescimento exponencial do fenômeno da inveja um dos seus sinais mais evidentes”.

Competição e inveja

Não é de estranhar que essa perseguição cega por uma vida bem-sucedida provoque outras tantas inversões de valores. Pensemos na inveja, citada pelo autor. Se antes ela estava na lista dos pecados capitais e era vista com péssimos olhos pela sociedade, hoje ela aparece como um reflexo natural da competição que move a sociedade globalizada. “O ciúme e a inveja, por certo, são paixões antigas como o mundo. Já na Bíblia é possível vê-los em ação, por exemplo, no ódio de Caim por seu irmão Abel. No entanto, a sociedade de competição aumenta o fenômeno em proporções até então inéditas. ‘Se eu sou igual ao meu vizinho, por que ele teria mais do que eu’?”, diz Luc Ferry, que emenda: “O êxito dos outros nos parece, por assim dizer, como a prova factual de que estamos perdendo nosso próprio percurso, sem recurso nem reparação possíveis”. Em outras palavras isso significa dizer que o sucesso do outro, na lógica competitiva, é o espelho do nosso fracasso. E repare que não raro respondemos a ele com hostilidade e desdém. “Estamos sempre buscando razões, necessariamente imorais, que explicam os êxitos, injustos e imerecidos da outra pessoa, a fim de reduzir, tanto quanto for possível, seu insuportável valor.”

Todos esses exemplos nos mostram que devemos desconfiar das motivações que nos levam a perseguir o sucesso e mais ainda dos expedientes que utilizamos para chegar a ele. A gente precisa estar consciente de que essa campanha maciça a favor da performance excepcional está a serviço não da realização pessoal, mas sim da sociedade capitalista, que tem na disputa e na competição seu principal combustível. “O desafio que se coloca a nós hoje é o de saber relativizar esse movimento, olhá-lo com um distanciamento crítico e buscar, na medida do possível, razões autênticas para a própria existência”, analisa o professor Clóvis de Barros Filho.

Carpe Diem

E como se faz isso? “Vivendo intensamente o presente, o aqui e agora”, aconselha Luc Ferry. Segundo ele, o primeiro passo para se aproximar de uma realização individual é romper com o ideal, com as fantasias de êxito que nos enchem de expectativas irreais. O que acontece é que enquanto estamos sonhando com o sucesso – com uma carreira bem-sucedida, um corpo perfeito, uma fortuna no banco – a vida passa despercebida, pois o nosso foco está lá na frente, num futuro idealizado, que ainda não existe e que pode, na maioria dos casos, não existir. O autor explica, tomando por base as teorias de Freud, que do ponto de vista psicológico, projetamos uma vida plena de realizações no esforço de tentar compensar na imaginação as limitações impostas pela realidade. “Nada é pior do que o fracasso, a não ser o êxito quando ele não nos satisfaz. Ainda se ignora o perigo de realizar as próprias fantasias: elas não são desejos verdadeiros nem anseios que abririam possibilidades reais de vida, mas produto de uma frustração essencial”, diz Luc Ferry.

Enquanto estamos sonhando com o sucesso – com uma carreira bem-sucedida, um corpo perfeito, uma fortuna no banco – a vida passa despercebida, pois o nosso foco está lá na frente, num futuro idealizado que ainda não existe

Mas a realidade é o que é, e na visão filosófica, quanto mais conscientes estivermos de seu movimento, ou seja, quanto mais situados no presente, mais satisfatórias serão as nossas experiências. “O sábio é aquele que consegue, num mesmo movimento, viver no presente e viver na serenidade. Vivendo no presente, ele se desvencilha dos medos que habitam essas duas dimensões irreais do tempo que são o passado e o futuro, porque o passado não existe mais e o futuro ainda não existe”, compara o autor. E viver no presente não significa necessariamente renunciar a uma vida bem-sucedida, ao contrário. Se a busca pelo sucesso nos faz felizes, ótimo, o que não podemos é condicionar nossa felicidade a um resultado que não sabemos se iremos obter. Vem daí, dessa projeção ingênua de êxito, grande parte da nossa insatisfação existencial. O caminho é simples, como deveria ser: a cada escolha de vida, temos de nos perguntar se a busca em si tem valido a pena. É o processo que tem que ser prazeroso, afinal, até então, não há nada além dele”, conclui Clóvis de Barros.

domingo, 2 de agosto de 2009

Maturidade

Maturidade

Boa parte da nossa vida está relacionada ao processo de amadurecer, que pode ir dos 35 aos 60 anos ou mais. Como podemos tirar o melhor proveito disso hoje?
por Liane Alves

Alguém aí já comeu manga madura, daquelas bem suculentas, e provou seu suco doce, que escorre pela boca e mancha toda a roupa? Então, ali, sentindo o gosto da fruta, a gente tem certeza de que ela está no seu auge, no máximo de tudo que é e pode oferecer. A sua “madurez” é desejada, querida. Ninguém vai ter essa sensação quase erótica ao morder uma manga verde e dura. Então por que será que a gente não consegue transpor esse exemplo para nossa própria vida? Por que a maturidade, ou o envelhecer, nos apavora tanto? E por que não tiramos do outono o mesmo prazer que se extrai do verão e da primavera?

A juventude e o que é rígido, novo, verde tornou-se nosso supremo ideal. E o processo biológico em direção ao envelhecimento é empurrado cada vez mais para a frente. O desejável, para a maioria de nós, seria usufruir uma juventude interminável, quase eterna, para então (se realmente insistirem muito nisso) morrer de repente, dormindo. O processo que, de acordo com a natureza, nos deixaria mais doces e tenros, mais plenos e ricos, desabrochando para o que realmente somos, é visto como um castigo contra o qual se deve lutar a todo custo. Mas não precisa ser assim. Existem outras maneiras de ter prazer na vida, exatamente como ela se apresenta. Saber como fazer isso é o grande segredo.
Jovens maduros

Quando se fala de envelhecer, de chegar à maturidade e continuar a aproveitar tudo a que temos direito, nossos irmãozinhos chineses têm muito a dizer. “Na China, quem está na faixa dos 50 anos, por exemplo, é considerado um ‘jovem maduro’. Para a cultura tradicional chinesa, um homem ou uma mulher nessa idade está no auge de tudo o que ele é”, afi rma Roque Enrique Severino, professor de tai chi há 35 anos e presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Oriental. De acordo com esse pensamento, o processo do envelhecimento mais radical só se implantaria bem depois dos 60, mas esse limite também pode variar. “Mesmo quando a pessoa chega aos 80 anos, e, portanto, à velhice, na China se diz que ela está na idade ideal para começar a apreciar verdadeiramente a vida”, diz Roque.

Serão os chineses uns otimistas desenfreados? Uns malucos fora da realidade? Provavelmente não. A empolgação excessiva nunca foi uma característica do povo chinês. Mas, para entender essas afirmações sem considerá-las um exagero, deve-se entender o ponto de vista a partir do qual elas são feitas.

Os chineses conectados com a medicina tradicional do seu país conhecem a energia vital que percorre o corpo como os marinheiros conhecem as ondas do mar. Sabem de seus altos e baixos, fluxos e refluxos, excessos e faltas, inclusive considerando os parâmetros ideais para cada fase da vida. Entendem que todo o longo processo da maturidade, que para eles leva de 30 a 40 anos, pode ser vivido com vigor e energia. E para que a vitalidade flua pelo corpo da maneira mais harmônica possível, dispõem de um arsenal de terapias, técnicas, exercícios, massagens, dietas, tratamentos e também meditações, pois mente, espírito e corpo são uma coisa só, garantem eles. Muito sábio. Com a vitalidade em alta, o amadurecer se faz lentamente, sem doenças e limites físicos restritos. Por isso, os chineses a conservam o maior tempo possível, até em idades bem avançadas. Ser um jovem maduro aos 50 anos, ou bem mais, significa que a energia vital ainda corre pelos meridianos com o vigor da juventude num organismo que começa a amadurecer e a declinar. Deixar a mente límpida e o corpo envelhecer sem que ele perca o viço, a seiva e a flexibilidade é o ideal chinês.
Arte da compensação

Estar bem dentro do corpo e cuidar da serenidade da mente é um aprendizado que exige sensibilidade, percepção e dedicação. Isto é, o que antes, durante a juventude, vinha de graça e sem esforço, agora deve ser batalhado. “A realidade irreversível é que estamos vivendo por mais tempo e o modo como enfrentamos essa maior longevidade faz uma diferença monumental para todos nós”, diz Jean Carper, autor de Pare de Envelhecer Agora. “E, quando agimos para retardar nosso próprio envelhecimento, participamos de uma maravilhosa revolução na medicina que enfatiza a prevenção em vez do tratamento”, afirma ele. Pois envelhecer bem é a arte da compensação: o que se perde é reposto conscientemente, seja com tai chi, seja com meditação, ioga ou uma moderna dieta que impede a formação de radicais livres com alimentos e vitaminas. A boa informação e a prática constante são essenciais para quem quer amadurecer de maneira saudável.

Os resultados desses métodos, terapias e técnicas podem se tornar visíveis em pouco tempo. “Um dos indicadores mais fáceis para avaliar a vitalidade de alguém é o brilho dos olhos”, diz o professor Roque Severino. Se você tiver 50, 60 ou 70 anos e tiver essa luz interna, essa faísca que demonstra o vigor do espírito, é sinal de que o inverno da velhice ainda não se manifestou e que ainda pode estar bem longe, pelo menos segundo a avaliação chinesa. “Podemos ver uma pessoa idosa recuperar instantaneamente essa centelha por alguns momentos ao falar de um acontecimento do passado que tenha despertado seu entusiasmo e alegria. É como se essa luz estivesse sempre ali, mas não fosse mais acessada”, diz a terapeuta Maria Luiza de Aquino, que ensina ioga tibetana para a recuperação da vitalidade perdida. “O mais desejável é que esse brilho e o amor pela vida nasçam novamente com base no momento presente, e que não fiquem perdidos só nas lembranças do que passou”, diz ela. Como? É o que a gente vai ver logo a seguir.
A volta do encantamento

Leia com atenção as próximas frases: “A vida é boa acima de tudo; é boa por si mesma; o raciocínio nada conta para isso. Não se é feliz por viagem, riqueza, sucesso, prazer. É-se feliz porque se é feliz. Como o morango tem gosto de morango, assim a vida tem gosto de felicidade. O sol é bom, a chuva é boa; todo ruído é música. Ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar não é mais do que uma sucessão de felicidades”. Antes que você ache que o pensador Alain, pseudônimo do francês Émile-Auguste Chartier (1868-1951), seja outro otimista desenfreado, vamos seguir mais profundamente seu pensamento. “Mesmo as dores, o cansaço, tudo isso tem um sabor de vida. Existir é bom, não melhor do que outra coisa, pois existir é tudo, e não existir é nada.” Bem, talvez seja essa a grande chave do mais completo e apaixonado amor pela existência: amase tudo nela, da tristeza à angústia, da manhã radiosa ao começo de uma paixão, da lágrima e do peito doído à arte. É uma aceitação incondicional.

O mitólogo Joseph Campbell acrescentaria: “Diga ‘sim!’ à totalidade da vida, tanto ao prazer quanto à dor. Mergulhe com alegria nos sofrimentos do mundo. O imenso privilégio da existência é ser exatamente quem você é”. A mudança extraordinária que pode acontecer internamente com base nessa diferente forma de apreciação pela existência em si pode trazer de volta um encantamento que talvez tenha se perdido. “Felicidade ou amargor? Será preciso sempre escolher? Pode-se fazê-lo? Parece-me que, antes, cumpre aprender a amar os dois”, escreveu o filósofo francês André Comte-Sponville no livro Bom Dia, Angústia. “A dor e a angústia fazem parte do real (...). A sabedoria está na aceitação do real, não na sua negação. O que de mais natural, quando se sente dor, do que gritar? O que mais sábio, quando se está angustiado, do que aceitá-lo? ‘Enquanto fazes uma diferença entre o samsara e o nirvana, estás no samsara’, dizia Nargarjuna. Enquanto você faz uma diferença entre sua pobre vida e a redenção, está na sua pobre vida”, continua Sponville.

E há outra questão: sempre sabemos que vamos morrer. Com essa consciência nítida, torna-se natural reconhecer a preciosidade de cada instante. Mesmo o prazer é ressaltado por sua fugacidade, por sua raridade e lampejo. Também a dor, a angústia ou a tristeza trazem em si sua nobre singularidade. Difícil? Talvez esse seja mais um dos presentes da maturidade: é possível experimentar sempre, principalmente o que não se vivenciou antes, o que se deixou para trás, o que nunca passou pela cabeça. O que realmente temos a perder, afinal?

Jair Engracia, 64 anos, funcionário do Banco do Brasil, experimentou esse amor pela singularidade da vida de uma forma muito especial. “A maior dor do envelhecimento é vermos que temos menos possibilidades. A quantidade, em tudo e por tudo, diminui. E isso dói”, diz ele. Mesmo assim, é possível saborear essa dor. Ela indica que a direção da vida, nesse momento, se dirige à qualidade, à contemplação e à fruição da existência, mais do que à quantidade, ao fazer e ao ter. E, quando se percebe isso, o sofrimento é mais fácil de ser integrado e até saboreado. O envelhecer nos segreda a cada momento que sempre podemos ter a possibilidade de viver novas experiências, para render homenagem à própria vida. Há melhor epitáfi o que o título da biografia de Pablo Neruda? Ele resumiu toda sua história numa única e invejável frase: Confesso que Vivi.
Liberdade, enfim

Outro elemento que pode ajudar bastante nessa nova fruição é a libertação dos padrões culturais impostos pela sociedade, o famoso “tem que”. A empresária Maria Clara Gomide, por exemplo, refletiu bastante sobre seu próprio comportamento amoroso e resolveu mudar da água para o vinho. “Aos 54 anos ainda queria casar, ter um companheiro fixo, uma vidinha pacata, exatamente como queria aos 22. Na verdade, vi que essa não parecia uma idéia minha, mas da sociedade: era o que se esperava de mim quando era mais jovem.” E acrescenta, sorrindo: “Me esqueci de atualizar meus sonhos”. Hoje ela reconhece que teria horror de viver essa realidade doméstica. “Mudei completamente minha perspectiva. Tenho dois namorados, um francês e um espanhol, que visito durante o ano em semestres diferentes, que possivelmente são tão fiéis a mim quanto eu a eles”, diz. “Mas fico feliz na companhia deles, cada um me traz uma experiência diferente, e é isso, honestamente, que eu quero neste momento da minha existência.”

Ah, a liberdade da maturidade. Que ganho maravilhoso, essa aceitação e esse conhecimento de si mesmo, para o bem ou para o mal. “As pessoas fracionam a vida quando rejeitam a si mesmas, negam a própria história quando valorizam o modelo social, seja estético, seja comportamental, sem questionálo”, diz Pedro Paulo Monteiro, professor de Gerontologia da PUC de Petrópolis e autor do livro Envelhecer: Histórias, Encontros e Transformações. “A sabedoria só é possível pela reflexão. Porém, a reflexão envolve uma postura de humildade, de aprendizado sobre si com base nas experiências de vida”, diz ele.
Envelhecer hoje

Essa procura pelo significado e pelo encantamento da vida pode ocorrer de várias maneiras. De uma forma menos filosófi ca, é o que se tenta todos os dias no Hospital das Clínicas de São Paulo, onde funciona o Programa de Envelhecimento Saudável, comandado pelo médico geriatra Wilson Jacob. Ali, além do atendimento físico e psicológico para quem tem mais de 60 anos, ensinase, com a ajuda de profissionais voluntários, ioga, meditação, dança, ikebana e outras atividades. Dessa maneira, procura-se despertar nessas pessoas novamente a alegria de viver. E descobrem-se coisas surpreendentes, como o aumento da capacidade de memória dos idosos após seis meses de tai chi, uma das conclusões de um estudo da médica Juliana Yumi Kafai, com a participação de Ângela Soci, professora dessa arte marcial.

Inclusive já há uma corrente nos Estados Unidos que afirma que uma pessoa de 60 anos, com boa saúde e utilizando os recursos de hoje para manter sua energia, é equivalente a uma pessoa de 40 anos há um século. Sim, os 60 são os novos 40, como se diz por aí. Portanto, não só a vida esticou como ela tem outra qualidade. Há que se considerar também que atualmente as pessoas vivem o envelhecer de outra maneira. Regina Casé, num quadro do Fantástico, revelou essa diferença ao mostrar o quadro clássico de dom Pedro II, com os trajes imperiais e sua longa barba branca. Ela pediu que as pessoas adivinhassem sua idade 70, 80 ou 90 , para depois contar a idade real do imperador na época: 50 anos.

Pois é, hoje é mais fácil ver as pessoas assumirem a própria idade. A advogada Alice Maria Felipetto, por exemplo, decidiu assumir o cabelo grisalho aos 46 anos. “Só eu e minhas amigas achamos lindo. Os homens sumiram”, afirma. Como ainda pretende namorar muito, fez uma concessão consciente ao sexo masculino e voltou a tingir o cabelo. Já a tradutora Helena Hungria continuou com sua opção, contentíssima e aplaudida pelos amigos, que a acham mais bonita agora que antes. “Meu sonho era envelhecer como a Rita Lee, ter o cabelo exatamente naquele tom de vermelho. Mas fui mudando, mudando e aos 54 anos e meio decidi assumir os grisalhos. Hoje tenho exatamente o rosto que queria ter.” Quem quiser gostar dela assim, que goste.
Aurora do espírito

Os anos de maturidade convidam a uma reorientação espiritual fundamental. “O propósito da crise na transição da meia-idade (que acontece por volta dos 35, 40 anos) é efetuar essa reorientação e conversão”, escreveram as psicanalistas junguianas Anne Brennan e Janice Brewi no livro Arquétipos Junguianos, a Espiritualidade na Meia-idade.

Isso porque a primeira metade da vida é bastante diferente da segunda. Até a meia-idade ela é orientada pelos desejos do ego e da própria espécie humana: produzir, reproduzir, vencer. Depois isso diminui. Ao redor dos 50, há um desejo profundo de mudar a vida que se levou até então, ou até transformar a maneira de ser: o indivíduo passa a responder mais às leis do espírito. “Somos chamados para um modo de ser totalmente novo. Na primeira metade da vida, é o mundo exterior que nos chama. Na meia-idade, o mundo interior”, dizem elas. Os chamados externos, como a carreira, a manutenção de status, relacionamentos e até a família, mudam de prioridade. Esse é o retrato de uma existência plena, quando a maturidade se completa com fecho de ouro. Por isso, acredite, o envelhecer só pode ser desejado com alegria. Pense nisso. E que a vida lhe seja doce.
7 DICAS PARA UMA MATURIDADE FELIZ

1. cuide do corpo - Pratique exercícios, alimentese com equilíbrio, consulte o médico regularmente.

2. mantenha-se ativo - Não se entregue: saia por aí, ingresse em uma ONG, em um grupo de pessoas com as mesmas afinidades que as suas.

3. alimente as relações sociais - Cultive seus amigos, crie ocasiões gostosas para reunir-se com eles.

4. cuide do seu parceiro - Nessa etapa da vida, nada mais importante que cuidar de sua relação a dois.

5. explore novos interesses - Redescubra o pintor dentro de você, aprenda um novo idioma etc.

6. abra-se ao mundo - Viaje sempre que possível novos horizontes costumam nos rejuvenescer.

7. aceite novos desafios - Não encare a vida com aquele ar de “já vi tudo isso antes”.
Para saber mais

Livros:
• Aceitação de Si Mesmo, Romano Guardini, Palas Athena
• Arquétipos Junguianos, a Espiritualidade na Meia-idade, A. Brennan e J. Brewi, Madras
• A Arte do Envelhecer, Sherwin B. Noland, Objetiva
• Pare de Envelhecer Agora, Jean Carper, Campus-Elsevier



Tema: rotina no casamento

Da leitora Marcia Prado: “Sabemos que a rotina e a monotonia no casamento estão entre as principais causas de separações. Como impedir que a mesmice do casamento acabe com ele?”
por Eugenio Mussak

Vamos falar sério. Quando dá certo, o casamento é uma das melhores coisas que podem acontecer na vida de um homem. E de uma mulher, claro. O problema é dar certo. “Defina ‘dar certo’”, poderia dizer o leitor. Ok, você sabe que seu casamento deu certo se ele lhe fornece mais, muito mais, que a simples função tradicional de “constituir família”. Essa é uma idéia histórica, ligada ao equilíbrio da sociedade e à continuidade da espécie humana, defendida pela Igreja e pelas tradições. Em pleno século 21, às favas com as tradições! O que queremos é a felicidade. E se isso vai colaborar com a sociedade e com a perpetuação da espécie, ótimo.

Então vamos concordar: seu casamento deu certo quando ele é fonte de felicidade, e ela emana da relação que você tem com sua mulher ou seu marido, e não da segurança, dos filhos, do patrimônio, das aparências. Casamento é uma relação, não uma instituição, e uma relação que vale a pena não é coisa de amadores. Se deu certo, ou você tem muita sorte ou fez uma opção pensada, adulta. É isso mesmo, o casamento, em primeiro lugar, depende da escolha certa da pessoa que vai viver ao seu lado, misturando a vida dela com a sua. E essa história de que os diferentes se atraem vale para a física, não para a psicologia. Não é necessário que os dois pensem sempre igual, concordem em tudo, mas é fundamental que tenham escalas de valores compatíveis, hábitos que não se choquem e, principalmente, projetos comuns.

É simples, mas não é fácil. Mesmo que todas essas condições sejam respeitadas, o casamento ainda tem lá seus inimigos, e não estou falando da inveja dos vizinhos, e sim dos capetinhas que se acomodam nos cantos da casa e que não são varridos com firmeza com a vassoura composta de piaçaba de sensibilidade e cabo de inteligência. O casamento precisa ser cuidado, polido, arrumado, temperado; senão murcha, mofa, sofre, escorre pelo ralo da indiferença e pelo esgoto da acomodação.

A rotina é, com imensa freqüência, acusada de ser a grande vilã. “Nosso casamento não resistiu à rotina”; “a monotonia acabou com o sonho”, alegam os recém-separados, como se a responsabilidade estivesse fora deles. A monotonia não bateu na porta e entrou sem ser convidada. Ela nasceu das vísceras da relação. É um câncer que não foi detectado a tempo ou não foi tratado com competência. Mas deixe eu ver se estou entendendo: rotina e monotonia são a mesma coisa?
Rotina e monotonia

Pois vamos começar esclarecendo que estou falando de duas coisas diferentes. Rotina é a repetição sistemática de uma conduta. Monotonia quer dizer que essa conduta é chata, sem sabor.

Rotina não é necessariamente ruim e, para algumas coisas, é até necessária. Para obter bons resultados no estudo, no trabalho e na ginástica, por exemplo, é necessário que as atividades sejam repetidas sistematicamente, pois é de sua constância e somatória que aparece o resultado. Eu, por exemplo, juro que gostaria de ter mais rotina em minha vida. Atualmente meu trabalho me obriga a viajar muito, variando imensamente meus dias, o que significa que minha vida não tem rotina nenhuma. E, acredite, eu me ressinto disso. Gostaria de poder escrever todos os dias; isso faria com que eu produzisse textos mais sofisticados. Adoraria poder praticar um esporte regularmente ou, pelo menos, poder freqüentar a academia três vezes por semana durante o ano todo. Isso teria um impacto positivo em minha saúde. E por aí vai. Há várias atividades rotineiras que não são monótonas, antes pelo contrário; tornam-se desgastantes exatamente porque são feitas esporadicamente, sem a regularidade necessária à boa prática.

Casamento também é assim. Estar casado com alguém é conviver diariamente com um sem-número de pequenas rotinas que podem ser maravilhosas. Ou não? Talvez a maneira como nós encaramos a rotina seja a chance de avaliar se temos ou não um bom casamento. Ou, pelo menos, se estamos precisando fazer alguns ajustes. Estar casado com alguém significa dormir com essa pessoa todas as noites e acordar ao lado dela todas as manhãs. Gostar disso significa ter um bom casamento.

A rotina de um bom casamento é composta por um imenso conjunto de minúcias adoráveis. Beijar as costas do outro antes de dormir; levantar primeiro de manhã para ir ao banheiro e deixar a escova dele já com pasta de dente em cima da pia; servir, um para o outro, a primeira xícara do dia de café com leite; secar a louça enquanto o outro lava; ligar do trabalho no meio da tarde... São rotinas, sim, mas são maravilhosas rotinas, quando nelas há o tempero adocicado do amor em oposição ao amargo sabor da obrigação.

Estar casado com alguém é dividir os momentos que se repetem e, por isso mesmo, se aprimoram. Já a monotonia, esta é a vilã não só do casamento, mas da própria vida. Ela mata a criatividade, afoga a alegria, sufoca as relações, amaldiçoa a felicidade. Monotonia significa manter o mesmo tom, mesmo tendo à disposição uma grande variedade de tantos outros. A palavra monotonia remete à metáfora auditiva, então vale a pena lembrar que o ouvido humano normal é capaz de perceber sons de freqüências entre 15 mil e 25 mil hertz, o que lhe permite passar ao cérebro uma quantidade imensa de sons porque este precisa disso para conectar-se com o ambiente e compreendê-lo. Não é justo nem com a biologia nem com a psicologia, muito menos com a poesia, aprisionar alguém a poucos tons. A monotonia, via essa metáfora, é desumana e destrutiva.
Luz e a sombra

Voltando ao casamento, ele se alimenta da rotina, mas é envenenado pela monotonia. Repetir as ações é o único modo de aprimorá-las e chegar à excelência, no dizer de Aristóteles, que amava a sabedoria. Não gostar das ações que se repetem é o melhor meio de chegar às trevas, como queria Mefistófeles, que odiava a luz. Acompanhe esta história:

“Emma era uma bela e jovem mulher, inteligente, encantadora. Casou-se com Charles, médico recém-formado, com um futuro promissor. O casamento perfeito, diria qualquer um; pareciam ter sido feitos um para o outro. Mas Emma, não obstante amasse e respeitasse Charles, em nome de quebrar a rotina, resolve traí-lo. Como não se tivesse saciado, continuou a busca, colecionando amantes e aventuras até que isso a conduziu, junto com Charles e toda a família, à ruína moral, social e financeira”.

Esse breve parágrafo é uma síntese pobre do livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert, o escritor francês que, no século 19, provocou discussões acaloradas e foi alvo de um processo judicial por promover a imoralidade com sua obra. A acusação ajudou a colocar a obra de Flaubert entre as principais referências à complexidade da alma humana. Absolvido, acabou dedicando a obra ao promotor que o acusava, com a ironia inteligente que caracteriza seus textos.

Emma odiava a rotina monótona da vida pequeno-burguesa de esposa de médico em uma localidade do interior da França, mas, em vez de tentar melhorar sua vida, influenciando seu marido entediante com alegria e emoção, buscou aventuras fora do casamento. A partir desse expediente, não só não encontrou o que buscava como ainda acabou com o pouco que lhe restava. A virtude de Emma sim, ela tem virtudes é ser inconformada, mas seu engano é o foco de sua atenção. Ela não tenta mudar sua vida e sim construir uma vida paralela. Flaubert foi um escritor de obra pequena, mas reconhecido pela perfeição de seus escritos. Gastou cinco anos escrevendo Madame Bovary, e sempre dizia que estava à procura da mot juste, a palavra exata que servia para representar uma idéia. Se vivesse hoje, a mot juste para madame Bovary talvez fosse a de neurótica insaciável, daquelas que buscam o lenitivo para sua vida vazia em shoppings, motéis e bares. O tipo da pessoa que procura a solução onde o problema não está.

Não, o problema não está na rotina, mas na monotonia. Ainda que haja forte conexão entre ambos, esses substantivos que se adjetivam com freqüência não são sinônimos. A rotina monótona difere da monotonia rotineira. A primeira precisa de atitude, a segunda de tratamento. Se a rotina, que é inexorável, está monótona, precisa de novos temperos. Se a monotonia já virou rotina, é possível que precise de novos ingredientes.

Não entendeu? Vou tentar de novo: se seu casamento está monótono apesar de ter componentes construtivos, que valem a pena, basta que algumas iniciativas sejam colocadas em prática. Que tal um motel depois de um show? Por que não mandar flores para sua mulher sem motivo algum, ou fazer uma massagem relaxante em seu marido-executivo-estressado em plena quarta-feira? Ou então preparar um romântico jantar a dois (veja como na matéria “Mesa para dois”). Esses são exemplos de temperos, de especiarias que dão sabor e impedem a deterioração da relação. Amanhã a vida continua, mas parece que o sol está mais brilhante e o trânsito está fluindo melhor. Mas se o desencanto se instalou, e não há mais por que lutar, melhor que prolongar a agonia é ser honesto e enfrentar o trauma e a dor que sempre acompanham as grandes decisões, e partir para outra.

Dona Flor, personagem inesquecível de Jorge Amado, amava Vadinho pelo lirismo de sua vida, mas sofria com sua falta de responsabilidade. Morto Vadinho, a viúva sofre, chora, conforma-se e, passado um tempo, casa-se de novo. Dessa vez com Teodoro, farmacêutico respeitado, correto, estável, com quem ela conhece uma vida nova, segura, calma... mas monótona. Então o escritor baiano aponta para o final feliz. O espírito do Vadinho volta, e Flor, não resistindo aos encantos do falecido marido, torna-se sua amante. Eis que a morena conhece então a felicidade através de seus dois maridos. O que lhe dá monótona segurança e o que lhe fornece a aventura de uma vida de paixões.

Não, o autor de Dona Flor e Seus Dois Maridos não quer sugerir que você tenha dois maridos; ou duas mulheres. Ele apenas lembra que todos nós temos, convivendo dentro de nossos espíritos, Teodoro e Vadinho, Apolo e Dionísio, lógica e paixão, rotina e aventura. Basta abrir a porta certa no instante correto.

Eugenio Mussak é educador e escritor. Neste espaço, faz reflexões a partir de inquietações levantadas pelos leitores. Envie suas dúvidas para:pensandobem@abril.com.br