Por Maria Sanz Martins
Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao meu lado. Tenho umas coisas pra te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto:
- O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis a pele mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta saudável e forte.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente.
Siga sempre seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer, mas escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim. Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, Rio de Janeiro, a Barcelona e a Austrália. Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer, mesmo que ele seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..."
Tenha uma vida rica de vida.
Vai que o carteiro ganha na loteria - tudo é possível, e o futuro é imprevisível.
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável. Porque sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance elas inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de aperfeiçoar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus instrumentos de criação. Leia.
Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance até o fim, se não por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.
Cultive os amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas mais raras de amor.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte: como vai você?
domingo, 8 de novembro de 2009
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Para onde vamos?
Fernando Henrique Cardoso
A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio "talvez" porque alguns estão de tal modo inebriados com "o maior espetáculo da Terra", de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?
Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.
É possível escolher ao acaso os exemplos de "pequenos assassinatos". Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira "nacionalista", pois, se o sistema atual, de concessões, fosse "entreguista", deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?
Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do "autoritarismo popular" vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os "projetos de impacto" (alguns dos quais viraram "esqueletos", quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: "Brasil, ame-o ou deixe-o." Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: "Minha Casa, Minha Vida"; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.
Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo "Brasil potência". Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: "L"État c"est moi." Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o "nosso pré-sal". Está bem, tudo muito lógico.
Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no "dedaço" que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são "estrelas novas". Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.
Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou "privatizadas". Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde.
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio "talvez" porque alguns estão de tal modo inebriados com "o maior espetáculo da Terra", de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?
Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.
É possível escolher ao acaso os exemplos de "pequenos assassinatos". Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira "nacionalista", pois, se o sistema atual, de concessões, fosse "entreguista", deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?
Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do "autoritarismo popular" vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os "projetos de impacto" (alguns dos quais viraram "esqueletos", quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: "Brasil, ame-o ou deixe-o." Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: "Minha Casa, Minha Vida"; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.
Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo "Brasil potência". Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: "L"État c"est moi." Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o "nosso pré-sal". Está bem, tudo muito lógico.
Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no "dedaço" que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são "estrelas novas". Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.
Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou "privatizadas". Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde.
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República
Ver olhar enxergar
Daniel Piza
Há alguns anos, sentado no jardim do Museu Rodin, de frente para uma das réplicas grandes de O Pensador, reparei que muitas pessoas se aproximavam e logo tratavam de imitar sua posição, apoiando o cotovelo na coxa e o queixo na mão e olhando para baixo. Das vinte que contei, apenas uma se deu conta de que, instintivamente, tinha feito errado: todas as demais apoiaram o cotovelo direito na coxa direita - e não na esquerda, como na escultura. Além disso, invariavelmente fecharam a mão, quando na realidade os dedos estão esticados. As diferenças estão longe de ser detalhe. A chave do estilo de Rodin - aquilo que o separa do classicismo - é a tensão, expressa sobretudo na angulosidade de suas formas e na irregularidade de sua superfície. Ele trabalhava sempre com situações no limite do equilíbrio e, por isso, a meu ver, a dinâmica de volumes do corpo feminino foi (com trocadilho) seu maior campo de estudos.
Que uma das imagens mais surradas da história da arte - um "ícone", como se usa e abusa hoje, desvirtuando o significado original do termo (representação sagrada, na religião; ou representação fisicamente semelhante ao objeto, na semiótica) - não seja devidamente apreendida por inúmeros observadores é um fato relevante para estes tempos que se dizem "Era Visual". O Pensador, a propósito, não foi concebido isoladamente por Rodin (que acaba de ganhar belo museu em Salvador, com projeto de Marcelo Ferraz e Francisco Fannucci, e mais uma exposição em São Paulo, no Masp), mas como parte de A Porta do Inferno, no alto da qual está como Dante a meditar sobre os infortúnios humanos. Também sua testa está franzida, seus músculos retesados e seus artelhos dobrados. Tirar sua tensão dramática é tirar o que tem de substancial.
O objetivo da figura, enfim, não era caricaturizar o ato do pensamento; era traduzir sua dor e a individualidade dessa dor.
***
Em seu belo livro Olhar Escutar Ler, que mostra como era bem menos relativista do que seus seguidores gostariam, o antropólogo Claude Lévi-Strauss comentou que diante de uma tela de Poussin temos a impressão de estar diante de "um pequeno teatro", de uma espécie de "segundo grau" ou "segunda natureza" que parece artificial, mas cujo resultado é se aprofundar ainda mais na realidade. Também notou que é um recurso muito distinto da estratégia dita pós-moderna, que quase sempre se basta na aparência da linguagem.
Diante de Hymeneus Travestido Assistindo uma Dança em Honra a Príapo, pintura de Poussin datada de 1632-34 que foi restaurada e está de novo em exibição no Masp, a impressão não poderia ser outra. Contei no blog como fiquei encasquetado com a definição dos especialistas de que Himeneus, o jovem que se vestiu de mulher para observar a dança feminina ao deus da fertilidade, é a figura da direita, alegando que é por ser a única que veste sandálias. Para mim, há outra hipótese, uma figura ao centro com traços mais masculinos - especialmente o maxilar e os braços - e a única com vestes sem decote e cabelos presos. Além disso, esta segura o falo da estátua, o qual ressurgiu graças ao excelente restauro.
Poussin não tinha um compromisso estritamente realista, o que explicaria essa opção simbólica (e Himeneus aparece segurando uma tocha em outras representações), que acentua seu desejo de ser sedutor para a amada. Mas há muitas dúvidas sobre o quadro, a começar por seu título. O curador do Masp, Teixeira Coelho, me disse que já cronometrou o tempo médio que cada pessoa se detém vendo uma pintura: oito segundos! Assim não é possível compreender um Poussin, por exemplo, com sua combinação de rigor e vitalidade. A estrutura atrás das mulheres, uma pérgola geométrica, e a coreografia dos braços numa faixa horizontal que ela reverbera, numa composição classicista "ma non troppo", pedem uma observação cheia de calma e dúvida ao mesmo tempo - como toda grande obra de arte, na fusão de forma e conteúdo.
***
Lévi-Strauss, que fez muitas fotos no Brasil e depois as publicou em livro, não gostava muito dessa moda de exagerar a importância artística da fotografia. Imagino o que acharia hoje, quando o status dela não parece parar de crescer. Em São Paulo há diversas exposições, com destaque para as de Henri Cartier-Bresson (no Sesc Pinheiros) e Walker Evans (também no Masp); em Nova York, a retrospectiva de Robert Frank tem atraído muita mídia e público. Eu acho que são muito bem-vindas, antes de mais nada por serem de grandes mestres, e talvez Lévi-Strauss se consolasse ao pensar que a tendência pode refletir certa nostalgia da figura humana, abandonada pelas chamadas "artes plásticas" (prefiro "artes visuais").
Bresson é outro que dialoga diretamente com o clássico. Alguns analistas tendem a dar ênfase ao caráter de flagrante de suas fotos, lembrando sempre que ele mesmo disse que usava a Leica porque favorece o "tiro único" ("one shot"), em contraposição às fotos mais posadas ou construídas. Só que não existe foto em que Bresson - e a exposição do Sesc, embora não deixe muito espaço de respiro entre uma e outra, está repleta de exemplos - não mostre um senso de composição apurado, um rigor de luz e espaço que valoriza ainda mais o dado espontâneo, o gesto natural, a coincidência surpreendente; por isso, o chamo de "pintor dos instantes". (Entre os brasileiros com fotos bressonianas na exposição, Cristiano Mascaro e Juan Esteves se destacam.)
Walker Evans, por sua vez, gosta do cenário desarrumado, do contraponto entre o ambiente e as figuras que captou durante a Depressão, como no Alabama (onde fez o livro com o grande jornalista, crítico e escritor James Agee, Elogiemos os Homens Ilustres, a ser lançado neste mês no Brasil). A série feita no metrô de Nova York também é um primor, com as figuras emolduradas pela câmera à mesma altura, não raro do pescoço para cima. Um pequeno deslocamento do ponto de vista do fotógrafo produz enorme diferença, como no "cinema de tatame" do genial Ozu ou como o cotovelo cruzado no Pensador.
***
Outro dos exageros teóricos da crítica no século 20 - estou pensando em nomes como Herbert Read e Clement Greenberg - foi a defesa da tese de que a pintura abstrata é a que busca "o grau zero da representação" e só pode ser avaliada como "mero arranjo de formas e cores". Basta ver Virada Russa, outra boa exposição em São Paulo (no CCBB), olhar os trabalhos de Kandinski, Malevitch e Tatlin e enxergar que não é bem assim. A pintura de Kandinski deriva de sua extensa pesquisa de paisagens, das quais jamais se afastou; a de Malevitch é carregada de metafísica, de gravidade religiosa, em suas cruzes com desvios de simetria; e a de Tatlin contém um projeto utópico, um design que afirma a máquina e a indústria, o futuro a ser erguido pela razão revolucionária - tema presente em quase todas as obras da exposição, inclusive as do social-realismo, de uma figuração kitsch sem tamanho. Eles podiam alegar pretensões de "pureza"; nós não precisamos assinar embaixo.
***
Fiz também no blog uma enquete sobre o melhor quadro da arte brasileira. Escolhi dez de minhas pinturas preferidas, sofrendo por excluir nomes como Antonio Bandeira, Lasar Segall e Flávio de Carvalho, além dos pré-modernos (como Eliseu Visconti) e dos construtivistas (como Hélio Oiticica). Até quinta à tarde, porém, já foi possível ver como os livros de história precisam ser reescritos, tanto os que privilegiam os grão-modernos quanto os que veem tudo como antessala de uma emancipação nacional que só se daria com a arte "tridimensional" do próprio Oiticica e de Lygia Clark. Boa parte dos visitantes, como eu, prefere autores que não se encaixam nessas classificações, como Oswaldo Goeldi (A Chuva), que estava à frente de Portinari (O Lavrador); o Iberê Camargo da última fase (A Solidão); o Guignard das paisagens de Ouro Preto; e também Pancetti e Volpi. Quando teremos uma história da arte que enxergue obras em vez de sociologia?
DE LA MUSIQUE
Luz da Aurora é um belo CD do violonista Yamandu Costa com o bandolinista Hamilton de Holanda. Com exceção de Escorregando, de Ernesto Nazareth, todas as canções são de um e/ou do outro. A faixa-título tem toda a melancólica alegria que o nome sugere. Outro duo de cordas dá show em Duofel Plays the Beatles, com harmonias e reverberações que o destacam no povoado mundo das reinterpretações de canções como She"s Leaving Home e A Day in the Life.
POR QUE NÃO ME UFANO
Pressão sobre a Vale. Modelo de partilha no pré-sal. Aumento dos gastos públicos. Reforço aos fundos de pensão. Bolsa Cultura. Filme biográfico. Inaugurações do PAC, mesmo que incompletas. Taxação financeira. Acordo - a que custo? - com o PMDB de Sarney. Desminta ou não, o governo Lula já pôs o Estado-mãe no palanque para 2010.
Aforismos sem juízo
Muitos veem, alguns olham, poucos enxergam.
Daniel Piza
Há alguns anos, sentado no jardim do Museu Rodin, de frente para uma das réplicas grandes de O Pensador, reparei que muitas pessoas se aproximavam e logo tratavam de imitar sua posição, apoiando o cotovelo na coxa e o queixo na mão e olhando para baixo. Das vinte que contei, apenas uma se deu conta de que, instintivamente, tinha feito errado: todas as demais apoiaram o cotovelo direito na coxa direita - e não na esquerda, como na escultura. Além disso, invariavelmente fecharam a mão, quando na realidade os dedos estão esticados. As diferenças estão longe de ser detalhe. A chave do estilo de Rodin - aquilo que o separa do classicismo - é a tensão, expressa sobretudo na angulosidade de suas formas e na irregularidade de sua superfície. Ele trabalhava sempre com situações no limite do equilíbrio e, por isso, a meu ver, a dinâmica de volumes do corpo feminino foi (com trocadilho) seu maior campo de estudos.
Que uma das imagens mais surradas da história da arte - um "ícone", como se usa e abusa hoje, desvirtuando o significado original do termo (representação sagrada, na religião; ou representação fisicamente semelhante ao objeto, na semiótica) - não seja devidamente apreendida por inúmeros observadores é um fato relevante para estes tempos que se dizem "Era Visual". O Pensador, a propósito, não foi concebido isoladamente por Rodin (que acaba de ganhar belo museu em Salvador, com projeto de Marcelo Ferraz e Francisco Fannucci, e mais uma exposição em São Paulo, no Masp), mas como parte de A Porta do Inferno, no alto da qual está como Dante a meditar sobre os infortúnios humanos. Também sua testa está franzida, seus músculos retesados e seus artelhos dobrados. Tirar sua tensão dramática é tirar o que tem de substancial.
O objetivo da figura, enfim, não era caricaturizar o ato do pensamento; era traduzir sua dor e a individualidade dessa dor.
***
Em seu belo livro Olhar Escutar Ler, que mostra como era bem menos relativista do que seus seguidores gostariam, o antropólogo Claude Lévi-Strauss comentou que diante de uma tela de Poussin temos a impressão de estar diante de "um pequeno teatro", de uma espécie de "segundo grau" ou "segunda natureza" que parece artificial, mas cujo resultado é se aprofundar ainda mais na realidade. Também notou que é um recurso muito distinto da estratégia dita pós-moderna, que quase sempre se basta na aparência da linguagem.
Diante de Hymeneus Travestido Assistindo uma Dança em Honra a Príapo, pintura de Poussin datada de 1632-34 que foi restaurada e está de novo em exibição no Masp, a impressão não poderia ser outra. Contei no blog como fiquei encasquetado com a definição dos especialistas de que Himeneus, o jovem que se vestiu de mulher para observar a dança feminina ao deus da fertilidade, é a figura da direita, alegando que é por ser a única que veste sandálias. Para mim, há outra hipótese, uma figura ao centro com traços mais masculinos - especialmente o maxilar e os braços - e a única com vestes sem decote e cabelos presos. Além disso, esta segura o falo da estátua, o qual ressurgiu graças ao excelente restauro.
Poussin não tinha um compromisso estritamente realista, o que explicaria essa opção simbólica (e Himeneus aparece segurando uma tocha em outras representações), que acentua seu desejo de ser sedutor para a amada. Mas há muitas dúvidas sobre o quadro, a começar por seu título. O curador do Masp, Teixeira Coelho, me disse que já cronometrou o tempo médio que cada pessoa se detém vendo uma pintura: oito segundos! Assim não é possível compreender um Poussin, por exemplo, com sua combinação de rigor e vitalidade. A estrutura atrás das mulheres, uma pérgola geométrica, e a coreografia dos braços numa faixa horizontal que ela reverbera, numa composição classicista "ma non troppo", pedem uma observação cheia de calma e dúvida ao mesmo tempo - como toda grande obra de arte, na fusão de forma e conteúdo.
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Lévi-Strauss, que fez muitas fotos no Brasil e depois as publicou em livro, não gostava muito dessa moda de exagerar a importância artística da fotografia. Imagino o que acharia hoje, quando o status dela não parece parar de crescer. Em São Paulo há diversas exposições, com destaque para as de Henri Cartier-Bresson (no Sesc Pinheiros) e Walker Evans (também no Masp); em Nova York, a retrospectiva de Robert Frank tem atraído muita mídia e público. Eu acho que são muito bem-vindas, antes de mais nada por serem de grandes mestres, e talvez Lévi-Strauss se consolasse ao pensar que a tendência pode refletir certa nostalgia da figura humana, abandonada pelas chamadas "artes plásticas" (prefiro "artes visuais").
Bresson é outro que dialoga diretamente com o clássico. Alguns analistas tendem a dar ênfase ao caráter de flagrante de suas fotos, lembrando sempre que ele mesmo disse que usava a Leica porque favorece o "tiro único" ("one shot"), em contraposição às fotos mais posadas ou construídas. Só que não existe foto em que Bresson - e a exposição do Sesc, embora não deixe muito espaço de respiro entre uma e outra, está repleta de exemplos - não mostre um senso de composição apurado, um rigor de luz e espaço que valoriza ainda mais o dado espontâneo, o gesto natural, a coincidência surpreendente; por isso, o chamo de "pintor dos instantes". (Entre os brasileiros com fotos bressonianas na exposição, Cristiano Mascaro e Juan Esteves se destacam.)
Walker Evans, por sua vez, gosta do cenário desarrumado, do contraponto entre o ambiente e as figuras que captou durante a Depressão, como no Alabama (onde fez o livro com o grande jornalista, crítico e escritor James Agee, Elogiemos os Homens Ilustres, a ser lançado neste mês no Brasil). A série feita no metrô de Nova York também é um primor, com as figuras emolduradas pela câmera à mesma altura, não raro do pescoço para cima. Um pequeno deslocamento do ponto de vista do fotógrafo produz enorme diferença, como no "cinema de tatame" do genial Ozu ou como o cotovelo cruzado no Pensador.
***
Outro dos exageros teóricos da crítica no século 20 - estou pensando em nomes como Herbert Read e Clement Greenberg - foi a defesa da tese de que a pintura abstrata é a que busca "o grau zero da representação" e só pode ser avaliada como "mero arranjo de formas e cores". Basta ver Virada Russa, outra boa exposição em São Paulo (no CCBB), olhar os trabalhos de Kandinski, Malevitch e Tatlin e enxergar que não é bem assim. A pintura de Kandinski deriva de sua extensa pesquisa de paisagens, das quais jamais se afastou; a de Malevitch é carregada de metafísica, de gravidade religiosa, em suas cruzes com desvios de simetria; e a de Tatlin contém um projeto utópico, um design que afirma a máquina e a indústria, o futuro a ser erguido pela razão revolucionária - tema presente em quase todas as obras da exposição, inclusive as do social-realismo, de uma figuração kitsch sem tamanho. Eles podiam alegar pretensões de "pureza"; nós não precisamos assinar embaixo.
***
Fiz também no blog uma enquete sobre o melhor quadro da arte brasileira. Escolhi dez de minhas pinturas preferidas, sofrendo por excluir nomes como Antonio Bandeira, Lasar Segall e Flávio de Carvalho, além dos pré-modernos (como Eliseu Visconti) e dos construtivistas (como Hélio Oiticica). Até quinta à tarde, porém, já foi possível ver como os livros de história precisam ser reescritos, tanto os que privilegiam os grão-modernos quanto os que veem tudo como antessala de uma emancipação nacional que só se daria com a arte "tridimensional" do próprio Oiticica e de Lygia Clark. Boa parte dos visitantes, como eu, prefere autores que não se encaixam nessas classificações, como Oswaldo Goeldi (A Chuva), que estava à frente de Portinari (O Lavrador); o Iberê Camargo da última fase (A Solidão); o Guignard das paisagens de Ouro Preto; e também Pancetti e Volpi. Quando teremos uma história da arte que enxergue obras em vez de sociologia?
DE LA MUSIQUE
Luz da Aurora é um belo CD do violonista Yamandu Costa com o bandolinista Hamilton de Holanda. Com exceção de Escorregando, de Ernesto Nazareth, todas as canções são de um e/ou do outro. A faixa-título tem toda a melancólica alegria que o nome sugere. Outro duo de cordas dá show em Duofel Plays the Beatles, com harmonias e reverberações que o destacam no povoado mundo das reinterpretações de canções como She"s Leaving Home e A Day in the Life.
POR QUE NÃO ME UFANO
Pressão sobre a Vale. Modelo de partilha no pré-sal. Aumento dos gastos públicos. Reforço aos fundos de pensão. Bolsa Cultura. Filme biográfico. Inaugurações do PAC, mesmo que incompletas. Taxação financeira. Acordo - a que custo? - com o PMDB de Sarney. Desminta ou não, o governo Lula já pôs o Estado-mãe no palanque para 2010.
Aforismos sem juízo
Muitos veem, alguns olham, poucos enxergam.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Architects can learn a lot by playing golf
Don’t roll your eyes: Architects can learn a lot by playing golf
By Robert Campbell, FAIA
I know people will be reading this in crisp October, but as I write I’m hanging on to summer in the week before Labor Day. Summer is a time for many things. One of them, for the right-minded architect, is golf. I realize that I’ll alienate some readers here, but golf and architecture are, I believe, related activities. Golf is said to be an old person’s sport — witness Tom Watson, who almost won the British Open this summer at age 59 — and as we all know, architects, like symphony conductors, tend to flourish in their later years. I.M. Pei was 91 when his museum of Islamic Art recently opened in Qatar.
Mark Twain said, “Golf is a good walk spoiled,” a snotty comment that is usually quoted by people who’ve never picked up that amazingly crafted artifact, a golf club. Twain was seldom wrong, but this time he blew it.
Golf is the only sport that is played in a landscaped garden. A golf course, especially an American one, is the latest and perhaps the final iteration of a great design movement, namely the English country garden of the 18th century, the movement we associate with names like Capability Brown and William Kent. Like Stowe or Stourhead or Rousham, a golf course is an entirely artificial landscape that has been reconfigured in such a way as to resemble the more romantic, naturally sloping meadows of a sheep farm or deer park.
All the old tricks are here: The picturesque grove or single tree sited in exactly the right position to punctuate a view, the rolling contours that seem to be God’s work but are actually the product of shovels or bulldozers, the carefully managed tricks of perspective that make you think you are closer to the putting green than in fact you are, the open axial views to the far horizon (“prospects,” in the language of landscape), or the water feature so placed that it reflects a copper beech against the sky. Even the ha-ha is here, put into service as a hazard that lurks invisibly until you discover it has engulfed your shot. Some golf courses feature actual deer, foxes, or rabbits. I’m talking about the typical inland course, not the “linksland” courses made mostly of sand dunes, which are common in Britain but rare in the U.S.
Golf is not a good walk spoiled. A walk in the country is merely a spectator sport. The viewer is not involved in the scene. But a golfer, like a farmer or a hunter, is deeply engaged with the landscape. And golf is spatial. Your architectural skills come into play. You’re always figuring distances, angles, slopes, textures, winds, maybe the grain of the grass (meaning the direction it’s pointing, which may follow the sun). You’re a kind of land surveyor. If you’re a pro, you will even want to know what variety of grass was planted to surface the greens. You’re alive with all your senses to landscape in all its aspects. Landscape isn’t just there, it matters.
Never the same shot
Golf is also like architecture in that there are no cookie-cutter plans, or at least no good ones. Unlike bowling or tennis, golf is played on a surface in which every course, every fairway, every green is different. In a lifetime, you never play exactly the same shot twice. Isn’t that part of what makes the practice of architecture, too, so fascinating?
Mark Twain should have tried golf. He might have come up with something to rival John Updike’s marvelous short story “Farrell’s Caddie,” in which a wizened caddie steers a callow American golfer around a Scots course. Updike describes the caddies as “hunched little men in billed tweed caps and rubberized rain suits, huddled in the misty gloom,” which may not sound much like your desk critics in design school, but Sandy the caddie coaches his American visitor with a similar mix of encouragement, challenge, and collaboration. Eventually, writes Updike, “Farrell and his caddie began to grow into one another, as a foot in damp weather grows into a shoe.”
I’m no landscape historian, so I consulted some experts as to whether my instinct is right about the similarity between the American golf course and the English country garden of Capability Brown. Betsy Rogers is the founder of the Central Park Conservancy, and her book, Landscape Design: A Cultural and Architectural History, is the only one I know of that deals with golf. On the phone, she gives me a “Yes, but.” Says Betsy: “They’re both designed landscapes, they’re both recreational, and they both go back to the 18th century in the British isles.” She sees the resemblance, but she says golf courses were and are usually designed by golf pros and specialists, and she can’t document any direct influence.
I try Doug Reed of the Boston landscape firm Reed, Hilderbrand, who says, “It sounds so right and believable to me, but I don’t know of any literature on it.”
I phone Peter Schaudt of Hoerr Schaudt landscape architects in Chicago, and here I finally hit a kind of jackpot. Schaudt first says, “I would guess there’s a genuine correlation,” and he then speculates that early golf courses were sometimes converted from private estates, the former garden being directly transformed into the future golf course. Then he begins talking about the late Dan Kiley, the great landscape architect, for whom Schaudt once worked.
Kiley, says Schaudt, was a golf nut who hated Capability Brown and forbade the name from being mentioned in the office. “He thought Brown’s work was a profanity,” says Schaudt. “He thought he ruined many good landscapes.” What were the landscapes he ruined? They were the axial, gridded, geometric parks we associate with continental Europe, the opposite of Brown’s more free-form, more romantic, let’s-pretend-it’s-natural spaces.
“Dan always wanted to design a Le Notre golf course,” says Schaudt, referring to the French designer of the formal gardens at Vaux-le-Vicomte and Versailles. “It would have had a symmetrical, axial plan. When Dan played, he always hit straight short axial shots, and he always beat us younger guys who were hitting longer balls but spraying them all over the course.”
I rest my case. If Dan Kiley despised Capability Brown, and if he wanted golf courses to look more like Le Notre, then he’s at least implying that actual courses are too Brownian.
Dan Kiley was very much a Modernist, of course, not a product of the French Baroque. But like so many classical Modernists, he was in love with grids and geometric rigor. You have to wonder whether anyone has ever attempted a Modernist golf course. What would one look like? Or is the American golf course so deeply imbedded in the mythos of the Romantic movement that any change would be impossible?
Robert Campbell is the Pulitzer Prize–winning architecture critic of The Boston Globe and author (with Peter Vanderwarker) of Cityscapes of Boston.
By Robert Campbell, FAIA
I know people will be reading this in crisp October, but as I write I’m hanging on to summer in the week before Labor Day. Summer is a time for many things. One of them, for the right-minded architect, is golf. I realize that I’ll alienate some readers here, but golf and architecture are, I believe, related activities. Golf is said to be an old person’s sport — witness Tom Watson, who almost won the British Open this summer at age 59 — and as we all know, architects, like symphony conductors, tend to flourish in their later years. I.M. Pei was 91 when his museum of Islamic Art recently opened in Qatar.
Mark Twain said, “Golf is a good walk spoiled,” a snotty comment that is usually quoted by people who’ve never picked up that amazingly crafted artifact, a golf club. Twain was seldom wrong, but this time he blew it.
Golf is the only sport that is played in a landscaped garden. A golf course, especially an American one, is the latest and perhaps the final iteration of a great design movement, namely the English country garden of the 18th century, the movement we associate with names like Capability Brown and William Kent. Like Stowe or Stourhead or Rousham, a golf course is an entirely artificial landscape that has been reconfigured in such a way as to resemble the more romantic, naturally sloping meadows of a sheep farm or deer park.
All the old tricks are here: The picturesque grove or single tree sited in exactly the right position to punctuate a view, the rolling contours that seem to be God’s work but are actually the product of shovels or bulldozers, the carefully managed tricks of perspective that make you think you are closer to the putting green than in fact you are, the open axial views to the far horizon (“prospects,” in the language of landscape), or the water feature so placed that it reflects a copper beech against the sky. Even the ha-ha is here, put into service as a hazard that lurks invisibly until you discover it has engulfed your shot. Some golf courses feature actual deer, foxes, or rabbits. I’m talking about the typical inland course, not the “linksland” courses made mostly of sand dunes, which are common in Britain but rare in the U.S.
Golf is not a good walk spoiled. A walk in the country is merely a spectator sport. The viewer is not involved in the scene. But a golfer, like a farmer or a hunter, is deeply engaged with the landscape. And golf is spatial. Your architectural skills come into play. You’re always figuring distances, angles, slopes, textures, winds, maybe the grain of the grass (meaning the direction it’s pointing, which may follow the sun). You’re a kind of land surveyor. If you’re a pro, you will even want to know what variety of grass was planted to surface the greens. You’re alive with all your senses to landscape in all its aspects. Landscape isn’t just there, it matters.
Never the same shot
Golf is also like architecture in that there are no cookie-cutter plans, or at least no good ones. Unlike bowling or tennis, golf is played on a surface in which every course, every fairway, every green is different. In a lifetime, you never play exactly the same shot twice. Isn’t that part of what makes the practice of architecture, too, so fascinating?
Mark Twain should have tried golf. He might have come up with something to rival John Updike’s marvelous short story “Farrell’s Caddie,” in which a wizened caddie steers a callow American golfer around a Scots course. Updike describes the caddies as “hunched little men in billed tweed caps and rubberized rain suits, huddled in the misty gloom,” which may not sound much like your desk critics in design school, but Sandy the caddie coaches his American visitor with a similar mix of encouragement, challenge, and collaboration. Eventually, writes Updike, “Farrell and his caddie began to grow into one another, as a foot in damp weather grows into a shoe.”
I’m no landscape historian, so I consulted some experts as to whether my instinct is right about the similarity between the American golf course and the English country garden of Capability Brown. Betsy Rogers is the founder of the Central Park Conservancy, and her book, Landscape Design: A Cultural and Architectural History, is the only one I know of that deals with golf. On the phone, she gives me a “Yes, but.” Says Betsy: “They’re both designed landscapes, they’re both recreational, and they both go back to the 18th century in the British isles.” She sees the resemblance, but she says golf courses were and are usually designed by golf pros and specialists, and she can’t document any direct influence.
I try Doug Reed of the Boston landscape firm Reed, Hilderbrand, who says, “It sounds so right and believable to me, but I don’t know of any literature on it.”
I phone Peter Schaudt of Hoerr Schaudt landscape architects in Chicago, and here I finally hit a kind of jackpot. Schaudt first says, “I would guess there’s a genuine correlation,” and he then speculates that early golf courses were sometimes converted from private estates, the former garden being directly transformed into the future golf course. Then he begins talking about the late Dan Kiley, the great landscape architect, for whom Schaudt once worked.
Kiley, says Schaudt, was a golf nut who hated Capability Brown and forbade the name from being mentioned in the office. “He thought Brown’s work was a profanity,” says Schaudt. “He thought he ruined many good landscapes.” What were the landscapes he ruined? They were the axial, gridded, geometric parks we associate with continental Europe, the opposite of Brown’s more free-form, more romantic, let’s-pretend-it’s-natural spaces.
“Dan always wanted to design a Le Notre golf course,” says Schaudt, referring to the French designer of the formal gardens at Vaux-le-Vicomte and Versailles. “It would have had a symmetrical, axial plan. When Dan played, he always hit straight short axial shots, and he always beat us younger guys who were hitting longer balls but spraying them all over the course.”
I rest my case. If Dan Kiley despised Capability Brown, and if he wanted golf courses to look more like Le Notre, then he’s at least implying that actual courses are too Brownian.
Dan Kiley was very much a Modernist, of course, not a product of the French Baroque. But like so many classical Modernists, he was in love with grids and geometric rigor. You have to wonder whether anyone has ever attempted a Modernist golf course. What would one look like? Or is the American golf course so deeply imbedded in the mythos of the Romantic movement that any change would be impossible?
Robert Campbell is the Pulitzer Prize–winning architecture critic of The Boston Globe and author (with Peter Vanderwarker) of Cityscapes of Boston.
sábado, 24 de outubro de 2009
Companheiro Iscariotes
Dora Kramer
O presidente Luiz Inácio da Silva pode ser, e é, um político ardiloso. Mas não é um homem corajoso. Tampouco é um líder renovador. Não bate de frente com ninguém que possa vir a lhe ser útil amanhã, não enfrenta questões polêmicas, não compra brigas difíceis nem aceita disputa com igualdade de condições, só entra em conflitos protegido por escudos e, sobretudo, não confronta paradigmas.
Na dúvida, prefere a rendição. E pior, na condição de chefe da Nação, não hesita em classificar o Brasil como um país fadado a fazer política ao rés do chão e de mãos sujas.
Na entrevista publicada na Folha de S. Paulo de quinta-feira, Lula pretendeu demonstrar pragmatismo, mas o que exibiu mesmo foi um imenso conformismo, incurável conservadorismo e oceânica indiferença em relação a qualquer coisa que não tenha a ver com sua pessoa.
"No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas", disse, como justificativa à sua tolerância para com a ausência de limites entre o público e o privado na operação da política brasileira.
Não é a primeira vez que o presidente se põe no patamar de divindade nem é inédita a manifestação de complacência em relação às piores práticas e seus praticantes. O exemplo, porém, agora foi mais infeliz do que nunca.
Desrespeitoso do ponto de vista religioso - ainda mais para quem preside a maior nação cristã do mundo - e ignorante do que tange ao registro histórico. Jesus, bem lembrou o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, d. Dimas Lara Barbosa, não se aliou aos fariseus e penou exatamente por se manter fiel aos seus princípios.
Não se imagina que um político, nem mesmo um presidente da República, possa se conduzir por parâmetros santificados. Daí não ser aceitável também que dê ares sagrados aos seus atos.
Contudo, espera-se de lideranças políticas - principalmente daquelas detentoras da admiração popular e que tenham feito carreira apresentando-se como arautos da mudança - que não se acomodem. Não compactuem, que usem seus melhores atributos para melhorar os defeitos que os fizeram crescer no imaginário da população como a materialização do bem contra o mal.
Em Lula, a figura do progressista, um mito alimentado por duas décadas de ofício oposicionista, não resistiu ao poder. Bem como o símbolo da luta em prol da depuração dos costumes e defesa da ética mostrou seus pés de barro ao adentrar o Palácio do Planalto.
Antes de se especializar como comandante das tropas do mau combate, sempre se alinhando às piores causas, jamais vocalizando os melhores valores, Lula abandonou as reformas.
Algumas delas apresentou pro forma ao Congresso, como a tributária, a política, a previdenciária, mas ou não lutou por elas ou as deixou pelo meio do caminho. Outras, como a trabalhista e a sindical, simplesmente ignorou. Para não arbitrar conflitos e, assim, correr o risco de se confrontar com setores que lhe poderiam ser úteis.
Lula não é um homem que tome posições e brigue por elas. Não gosta de perder. Talvez considere que já tenha dado ao País sua cota nas três derrotas eleitorais antes de conseguir se eleger presidente. Uma vez conquistado o poder, usa seus instrumentos como um fim em si mesmo.
Ao longo de dois mandatos quase completos, o presidente Lula em nenhum momento sequer sinalizou disposição de empregar suas energias para ajudar a política brasileira a se modernizar. Ao contrário, valeu-se do atraso e apostou em seu aprofundamento.
Ao ponto de, na mesma entrevista, ter atribuído ao presidente do Senado, José Sarney, alguém a quem não hesitava ofender chamando de "ladrão" quando atuava como oposicionista, a condição de guardião da "segurança institucional" do Brasil.
Segundo ele, sustentou Sarney no cargo, a despeito de denúncias e mentiras confessadas, porque representava uma "garantia" ao Estado brasileiro. Não, significava uma caução para o controle do Executivo sobre o Senado, como admite na frase seguinte. A oposição, afirmou o presidente, faria "um inferno" no País, caso Sarney fosse afastado dando lugar ao vice, Marconi Perillo, cujo grande defeito foi ter dito de público que havia alertado Lula sobre a existência do mensalão no Congresso.
"Não entendi por que os mesmos que elegeram Sarney um mês depois queriam derrubá-lo", declarou, fingindo-se de ingênuo, pois não faltaram fatos para propiciar a sua excelência perfeito entendimento a respeito da situação, perfeitamente compreendida pela bancada de seu partido no Senado.
O presidente, que outro dia mesmo reclamava dos políticos de "duas caras", de novo encarnou a simbologia do mau exemplo. Convalidou, pela enésima vez, as práticas nefastas que passou a vida dizendo que precisavam ser combatidas.
Isso é pior do que ter duas caras: é jogar no lixo uma trajetória, enterrar uma biografia, é trair uma legião de brasileiros que o elegeu acreditando nas promessas de mudança.
Dora Kramer
O presidente Luiz Inácio da Silva pode ser, e é, um político ardiloso. Mas não é um homem corajoso. Tampouco é um líder renovador. Não bate de frente com ninguém que possa vir a lhe ser útil amanhã, não enfrenta questões polêmicas, não compra brigas difíceis nem aceita disputa com igualdade de condições, só entra em conflitos protegido por escudos e, sobretudo, não confronta paradigmas.
Na dúvida, prefere a rendição. E pior, na condição de chefe da Nação, não hesita em classificar o Brasil como um país fadado a fazer política ao rés do chão e de mãos sujas.
Na entrevista publicada na Folha de S. Paulo de quinta-feira, Lula pretendeu demonstrar pragmatismo, mas o que exibiu mesmo foi um imenso conformismo, incurável conservadorismo e oceânica indiferença em relação a qualquer coisa que não tenha a ver com sua pessoa.
"No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas", disse, como justificativa à sua tolerância para com a ausência de limites entre o público e o privado na operação da política brasileira.
Não é a primeira vez que o presidente se põe no patamar de divindade nem é inédita a manifestação de complacência em relação às piores práticas e seus praticantes. O exemplo, porém, agora foi mais infeliz do que nunca.
Desrespeitoso do ponto de vista religioso - ainda mais para quem preside a maior nação cristã do mundo - e ignorante do que tange ao registro histórico. Jesus, bem lembrou o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, d. Dimas Lara Barbosa, não se aliou aos fariseus e penou exatamente por se manter fiel aos seus princípios.
Não se imagina que um político, nem mesmo um presidente da República, possa se conduzir por parâmetros santificados. Daí não ser aceitável também que dê ares sagrados aos seus atos.
Contudo, espera-se de lideranças políticas - principalmente daquelas detentoras da admiração popular e que tenham feito carreira apresentando-se como arautos da mudança - que não se acomodem. Não compactuem, que usem seus melhores atributos para melhorar os defeitos que os fizeram crescer no imaginário da população como a materialização do bem contra o mal.
Em Lula, a figura do progressista, um mito alimentado por duas décadas de ofício oposicionista, não resistiu ao poder. Bem como o símbolo da luta em prol da depuração dos costumes e defesa da ética mostrou seus pés de barro ao adentrar o Palácio do Planalto.
Antes de se especializar como comandante das tropas do mau combate, sempre se alinhando às piores causas, jamais vocalizando os melhores valores, Lula abandonou as reformas.
Algumas delas apresentou pro forma ao Congresso, como a tributária, a política, a previdenciária, mas ou não lutou por elas ou as deixou pelo meio do caminho. Outras, como a trabalhista e a sindical, simplesmente ignorou. Para não arbitrar conflitos e, assim, correr o risco de se confrontar com setores que lhe poderiam ser úteis.
Lula não é um homem que tome posições e brigue por elas. Não gosta de perder. Talvez considere que já tenha dado ao País sua cota nas três derrotas eleitorais antes de conseguir se eleger presidente. Uma vez conquistado o poder, usa seus instrumentos como um fim em si mesmo.
Ao longo de dois mandatos quase completos, o presidente Lula em nenhum momento sequer sinalizou disposição de empregar suas energias para ajudar a política brasileira a se modernizar. Ao contrário, valeu-se do atraso e apostou em seu aprofundamento.
Ao ponto de, na mesma entrevista, ter atribuído ao presidente do Senado, José Sarney, alguém a quem não hesitava ofender chamando de "ladrão" quando atuava como oposicionista, a condição de guardião da "segurança institucional" do Brasil.
Segundo ele, sustentou Sarney no cargo, a despeito de denúncias e mentiras confessadas, porque representava uma "garantia" ao Estado brasileiro. Não, significava uma caução para o controle do Executivo sobre o Senado, como admite na frase seguinte. A oposição, afirmou o presidente, faria "um inferno" no País, caso Sarney fosse afastado dando lugar ao vice, Marconi Perillo, cujo grande defeito foi ter dito de público que havia alertado Lula sobre a existência do mensalão no Congresso.
"Não entendi por que os mesmos que elegeram Sarney um mês depois queriam derrubá-lo", declarou, fingindo-se de ingênuo, pois não faltaram fatos para propiciar a sua excelência perfeito entendimento a respeito da situação, perfeitamente compreendida pela bancada de seu partido no Senado.
O presidente, que outro dia mesmo reclamava dos políticos de "duas caras", de novo encarnou a simbologia do mau exemplo. Convalidou, pela enésima vez, as práticas nefastas que passou a vida dizendo que precisavam ser combatidas.
Isso é pior do que ter duas caras: é jogar no lixo uma trajetória, enterrar uma biografia, é trair uma legião de brasileiros que o elegeu acreditando nas promessas de mudança.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Casamentos possíveis
Contardo Caligaris
Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por nossos fracassos
UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.
O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".
Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas.
Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.
Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.
Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho.
Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".
Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.
Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália.
Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência.
À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.
O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.
Contardo Caligaris
Em geral, a gente casa com a pessoa certa: com quem podemos culpar por nossos fracassos
UMA DAS boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.
O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: "Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer".
Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas.
Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza -como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento.
As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar.
Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento.
Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.
Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho.
Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação ("É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos"), ouve-se: "Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos".
Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa "certa": a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.
Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados "por causa do outro", mas pelas "cobranças", que, elas sim, podem se revelar insuportáveis.
Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café - logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália.
Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência.
À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) "causa" de minha desistência e razão de meu "sacrifício": "Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo." Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.
O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009

GEORGE CARLIN (His wife recently died...and George followed her, dying July 2008)
Isn't it amazing that George Carlin - comedian of the 70's and 80's - could write something so very eloquent...and so very appropriate.
A Message by George Carlin:
The paradox of our time in history is that we have taller buildings but shorter tempers, wider Freeways , but narrower viewpoints. We spend more, but have less, we buy more, but enjoy less. We have bigger houses and smaller families, more conveniences, but less time. We have more degrees but less sense, more knowledge, but less judgment, more experts, yet more problems, more medicine, but less wellness.
We drink too much, smoke too much, spend too recklessly, laugh too little, drive too fast, get too angry, stay up too late, get up too tired, read too little, watch TV too much, and pray too seldom.
We have multiplied our possessions, but reduced our values. We talk too much, love too seldom, and hate too often.
We've learned how to make a living, but not a life. We've added years to life not life to years. We've been all the way to the moon and back, but have trouble crossing the street to meet a new neighbor. We conquered outer space but not inner space. We've done larger things, but not better things.
We've cleaned up the air, but polluted the soul. We've conquered the atom, but not our prejudice. We write more, but learn less. We plan more, but accomplish less. We've learned to rush, but not to wait. We build more computers to hold more information, to produce more copies than ever, but we communicate less and less.
These are the times of fast foods and slow digestion, big men and small character, steep profits and shallow relationships. These are the days of two incomes but more divorce, fancier houses, but broken homes. These are days of quick trips, disposable diapers, throwaway morality, one night stands, overweight bodies, and pills that do everything from cheer, to quiet, to kill. It is a time when there is much in the showroom window and nothing in the stockroom. A time when technology can bring this letter to you, and a time when you can choose either to share this insight, or to just hit delete...
Remember; spend some time with your loved ones, because they are not going to be around forever.
Remember, say a kind word to someone who looks up to you in awe, because that little person soon will grow up and leave your side.
Remember, to give a warm hug to the one next to you, because that is the only treasure you can give with your heart and it doesn't cost a cent.
Remember, to say, ' I love you ' to your partner and your loved ones, but most of all mean it. A kiss and an embrace will mend hurt when it comes from deep inside of you.
Remember to hold hands and cherish the moment for someday that person will not be there again.
Give time to love, give time to speak! And give time to share the precious thoughts in your mind.
AND ALWAYS REMEMBER:
Life is not measured by the number of breaths we take, but by the moments that take our breath away.
If you don't send this to at least 8 people.....Who cares?
George Carlin
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